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Meu coração parou.
Mas está voltando a bater.
Eu não sabia, mas na última quarta-feira, por volta desse mesmo horário, meu pai estava entrando nas últimas horas de vida dele.
A edição de hoje começa pesada, porém eu prometo que ela ficará leve.
Tinha tudo para ser um dia bem perto do “comum”. Ele estava há algumas semanas internado e eu me planejava para visitá-lo na hora do almoço. Logo, comecei o dia preparando o café e, coincidentemente, lendo o relato da querida Letícia Imai sobre a vida após o luto.
Só que não deu tempo de ver meu querido velhinho mais uma vez. Não com vida.
Às 8:30am, o coração dele parou e o meu também.
Não há nada capaz de descrever o impacto que é escutar a frase “Cleiton, seu pai se foi”.
O homem que moldou meu caráter, meu humor, meus valores, inúmeras habilidades, ele agora se tornava uma memória. O homem que foi pai até dos próprios irmãos.
E um mês e meio antes do último suspiro do meu pai, rolou também a partida de uma amiga que eu amava e admirava, uma perda que impactou brutalmente a vida de muita gente próxima. Portanto, não tem sido um período tranquilo, tem sido um período com surpresas desafiadoras e desagradáveis, de testar a vida.
Fica muito fácil se deixar atropelar pela tristeza e melancolia quando algo assim acontece. E até faz sentido que aconteça essa vibe pesada, esse protagonismo da tristeza... A vida pode ser cruel.

O véio era foda.
Como fã de Tolkien, me apeguei a uma passagem do livro O Silmarillion, na qual um personagem está isolado em campo inimigo e batalhando madrugada a dentro:
“Húrin se viu sozinho. Largou o escudo, pegou no machado de um capitão orc e brandiu-o com as duas mãos. Conta-se que o machado fumegou contra os inimigos por setenta vezes, e cada vez que o brandia, Húrin gritava bem alto: Aurë entuluva! O dia nascerá outra vez!”
Entre lutos distintos, faz quase dois meses que todos os dias eu penso: O dia nascerá outra vez. Sempre nasce.
E graças a muito acompanhamento psicológico prévio e também durante as situações, posso dizer que estou bem!
Estou bem por dar o devido espaço ao sofrimento sem apego total ao sofrimento. Não censurando lágrimas que descem espontaneamente e até ficando feliz pela existência dessas lágrimas. É um exercício interessante não ficar triste porque eu estou chorando. Entender que esse choro vem por conta de memórias muito boas.
Transformar a saudade em alegria por ter vivido tantas memórias e momentos é cansativo, mas poderoso. E eu tendo a acreditar que é saudável.
Mas tem algo crucial que fiz pra fazer meu coração voltar a bater quanto antes e manter firme essa chama de esperança por dias melhores nas situações de luto. Essa coisa crucial foi a mão na massa.
Sempre fui bom em trabalhos manuais, em trabalhos mecânicos.
Quando me dei conta, eu tava aqui em casa montando móveis. Montei estante, prateleira, rack. Tava colocando a mudança no lugar, arrumando partes da casa, fazendo o conserto da casa, organizando espaço físico e até saindo para pedalar. Por coincidência, minha mãe mesmo, um pouco depois ali da parte toda de velório e afins, também arrumou um jeito de passar tempo com tarefas físicas para entrar um pouco no automático, mas também sem suprimir o sofrimento.

Cura a alma e destrói a coluna. Odiei, 5 estrelas.
Trabalhos artísticos, manuais e criativos fortalecem conexões cerebrais.
E tô dizendo isso porque não basta torcer pela volta dos dias claros, não basta torcer pela volta dos dias ensolarados, o machado precisa bater.
Não agir é ser refém dos dias ruins.
Não é obrigação de pessoa alguma transformar o sofrimento em uma coisa boa ou ignorá-lo e se cercar de um otimismo ou vazio ou falso, mas é bom tomar cuidado, porque a tristeza e o sofrimento, eles são viciantes.
Viver é sofrer, sobreviver é encontrar algum sentido no sofrimento.
- Nietzsche
Já fiquei surpreso com relatos que chegam de quem consome a newsletter, que às vezes perdeu o emprego, que está olhando para uma recolocação profissional, que está passando por algum momento complicado. E nesses dois meses, que têm sido emocionalmente e até fisicamente desafiadores, senhores, fui percebendo que é muito bom se apegar às coisas que você faz no automático.
Isso foi comentado em uma das edições anteriores.
No meu caso, são essas coisas manuais. Tem gente que escreve, que faz piada, tem gente que faz música, desenha, cozinha. Quando você consegue se apegar a um dom, a um talento, a uma habilidade que você tem, que é possível executar sem pensar, parece mágica, é como se o sofrimento desaparecesse.
Na verdade, você esquece do sofrimento por um tempo, e ao mesmo tempo em que esquece, ele passa a ser ressignificado. Você passa a utilizar o sentimento ruim para fazer uma coisa boa.
Meu pai fazia questão de consertar tudo de casa, o que me ensinou diversas habilidades e também fez com que muita coisa ficasse bem capenga. Quando troco tomadas, chuveiros, luminárias, monto um móvel, estou usando aqueles momentos de dor para fazer algo legal que aprendi com ele. Aceitar os fatos e vivenciar cada efeito deles.
A expressão “Amor Fati”, que você muito provavelmente já viu em tatuagens duvidosas por aí, quer dizer “amor ao destino”. Ela vem de uma linha da filosofia que prega como é valioso abraçar tanto bons quanto maus acontecimentos na vida. A grande questão é não ficar muito tempo viciado na sensação que eles causam.
Mesmo tendo afirmado que meu coração parou com a notícia mais trágica do ano, é muito importante olhar para as coisas que fazem o coração bater nesses dias.
É difícil, mas é importante.
Sempre evitei trazer situações da minha família, de pessoas queridas em qualquer material que eu publico na internet. No entanto, pensei na importância de falarmos sobre as coisas chatas, e dor é uma coisa chata.
Acredito que é importante falarmos sobre dor porque eventualmente teremos que lidar com essa arrombada (a dor), vamos ter que lidar com perdas, seja de pessoas, seja de oportunidades, seja de atividades, seja lá o que for.
Ter apoio profissional, mas também buscar o próprio apoio, anual, mecânico, artístico, motor, o que seja, é uma baita ferramenta para suprir um pouco dessa dor e para talvez transformar um pouco dessa dor em um instrumento de coisas boas.
Não faço a menor ideia do que está acontecendo aí na sua vida, só espero que caso sejam dias sombrios, não os ignore nem os romantize, mas que você encontre os dias claros.
Nossa missão é fazer o possível para que nosso coração continue batendo.
Na próxima semana eu volto a falar de coisas mais tranquilas :)
Aurë entuluva!