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A vida é boa pra c*ralho
Percebi isso no meu pior dia.
Esse pensamento me veio em um dos momentos mais desgraçados e inevitáveis que alguém pode passar.
Era dia 19 de junho e ali estava eu, sozinho na sala de espera do IML, aguardando para reconhecer o corpo do meu pai (foi mal por pesar seu natal assim).
Eu já havia acertado todos os detalhes do velório, escolhido flores, horário, até o convite.
Velório é tipo casamento, cada ajuste feito significa um aumento exponencial nos custos. E nem tem bolo. Ainda bem, ou eu ia falir de vez. Enfim, agora só me faltava a tarefa mais dura de todas, mas eu sabia que logo após aquilo, encontraria algumas pessoas queridas para tomar duas cervejas e tentar rir da vida.
A sala de espera estava bem vazia, passando uma ou outra família para a mesma tarefa. Em dado momento, um casal na faixa dos 40 e poucos anos estava ali para liberar seu filho de mais ou menos 18 anos. Não pude deixar de ouvir algumas dúvidas que tinham sobre Velório Social, um serviço gratuito oferecido pela prefeitura para famílias de baixa renda.
Num velório assim você não tem muitas opções, é tudo feito de acordo com a disponibilidade da prefeitura, do cemitério, e talvez nem tenha sala de velório, apenas sepultamento.
No pior momento da vida daqueles pais, eles ainda teriam que descobrir uma série de limitações, talvez esgotarem seu pouco dinheiro e ainda enterrarem o filho num cemitérios mais caóticos da cidade.
Já eu, bem, pude escolher tudo. Escolher do caixão ao biscoito, horário de transporte, coroas, todas aquelas coisas que nem importam tanto assim!
Gastar uma cifra considerável entre velório e inventário me atrasaria alguns meses na meta de investimento. Mas eu pude sacar esse dinheiro e utilizá-lo sem medo de faltar no futuro.
Ao me dar conta que eu podia dar uma cerimônia com pequenos luxos enquanto há quem talvez não consiga pagar mil reais em um caixão mais básico me fez perceber como minha vida é ridícula de boa.
Isso foi há seis meses. E amanhã, dia 25, seria aniversário do meu pai.
Ele não celebrava aniversários ou natal, e talvez tivesse achado um exagero o que fizemos… Mas o fizemos. Era um jeito de honrá-lo: num ambiente leve e belo.
Em dado momento, minha família foi tão quebrada de dinheiro que eu lembro claramente de não ter mochila para ir à escola por mais de 5 anos. Mochila era luxo, imagina! Ia tudo numa pasta de loja de R$ 1,99.
Se eu voltar 22 anos no tempo, éramos seis pessoas vivendo em uma casa de dois cômodos, hoje eu sozinho moro num apartamento onde sempre desejei. A vida é boa pra caralho.
Tem muita gente nas redes sociais dizendo que o país está dividido, que a esquerda ou a direita querem acabar com aquilo que você acredita. Pois o que eu vejo é que, apesar de tudo, tem muita gente disposta a fazer o bem, independente de crenças e vieses.
Muitos dos recursos que minha família teve para permitir uma mínima ascensão social vieram de outras pessoas que nos ajudaram. Ao contrário do que influencers e trends políticas de redes sociais pregam, ainda tem muita gente boa ajudando infinitas famílias como a minha por aí.
Comentei com algumas pessoas sobre um plano audacioso para 2026, ninguém me questionou, apenas ofereceu apoio.
A vida é boa pra caramba.
Talvez você não esteja nem do lado fragilizado, nem de um lado mega filantropo. Mas talvez você esteja em alguns grupos:
Se você ganha mais de R$ 3.000/mês, parabéns, você tem renda superior a 91% da população;
Fala mais de um idioma? Bem vindo aos top 5% da população brasileira;
Já viajou para outro país? Você está entre menos de 10% dos brasileiros;
Se tem reserva financeira que cobre mais de seis meses, seu grupo representa apenas 6% das pessoas, segundo a Fenafisco.
O Michel Alcoforado conduziu uma pesquisa na qual mais de 80% das pessoas afirmaram que prosperidade financeira é ter reserva e previsibilidade.
A vida boa é feita de muitas coisas intangíveis, mas dinheiro e conforto facilitam muito a vivência do intangível.
Alguns dos nossos comportamentos e costumes mais triviais são ostentações máximas para outra ponta do país, portanto, acredite, sua vida e a minha muito provavelmente são boas pra cacete e a gente nem se ligou nisso.
Não digo isso para te fazer sentir culpa ou pena, seja seu privilégio herdado ou conquistado.
Só para lembrar que apesar de as coisas poderem ser bem melhores, talvez elas já estejam boas.
Um excelente final de ano para você e àqueles que você ama!
Nos vemos em 2026, forte abraço :)