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Tô com uns parafusos a mais
E talvez uns a menos!
Quando te falam sobre impressão 3D, o que você imagina? Um tanto de acessório meio estranho, talvez inútil?
Ou você pensa em uma pessoa nerd imprimindo miniaturas? Ou sei lá, pedaços de plástico vermelho jogados por todo canto.

Quarta-feira passada, neste mesmo horário, eu estava prestes a receber alta depois de uma cirurgia que vinha planejando há tempo e, ao contrário do que muitos imaginam, não, não coloquei silicone! Mas imagina só se tivesse colocado hein?
Em linhas gerais, fiz uma cirurgia ortognática classe III. É um procedimento para corrigir a mordida, e para isso o cirurgião recorta sua mandíbula e maxila em seis pedaços diferentes (que delícia), faz um recuo no queixo, um avanço na parte superior da boca e alinha tudo com placas e parafusos de titânio.
Uma cirurgia assim, apesar do impacto estético, é voltada a melhorar respiração, sono, labirintite, mastigação e até enxaquecas. Eu sabia desde os 15 anos que deveria fazer, mas só entrei para o planejamento real há um ano.
Dá uma olhada nessa imagem fresquinha de dentro da minha cabeça, feita ontem:

Pelas minhas contas, são 36 parafusos na cabeça!
Tenho tido surpresas bem positivas com o pós-operatório, e poucas dessas surpresas me deixam tão maravilhado quanto um fato curioso da cirurgia em si: a guia para alinhamento da minha boca foi uma impressão 3D baseada na minha arcada dentária.
Nos meses que antecederam o processo de transformar meu rosto em uma salada caesar, realizei um mapeamento 3D da face para que a equipe médica fizesse todas as medidas e projeções. Com isso em arquivo, eles imprimem o encaixe negativo dos meus dentes em uma impressora 3D de resina e, durante a cirurgia, apoiam minha arcada nesse molde para então ajustarem as placas e parafusos.
O mundo é muito doido, bicho.
A mesma impressora que pode fazer uma miniatura de Senhor dos Anéis, gera uma placa que pode fazer toda a diferença entre deixar minha boca normal ou parecendo um oponente do Mike Tyson.
Sempre me encantou a ideia de usos distintos dos mesmos recursos, e coincidentemente, lembrei de outro exemplo que está no campo da odontologia.
Anos atrás conheci em São Paulo um cara que tinha uma joalheria artesanal em sociedade com a esposa. Ele comentou comigo que passou a vida toda trabalhando com próteses dentárias (nome bonito pra dentadura), mas que durante um curso de ourives, percebeu que as ferramentas e técnicas usadas eram basicamente as mesmas!
Ideia vai, ideia vem, mudou de carreira.
A Lei de Lavoisier estabelece que nada se cria, tudo se transforma. Isso vale para reações químicas, fenômenos da natureza, e acredito que vale para o cotidiano. Nenhum conhecimento é puramente binário ou transacional, tudo pode ser transformado em algo a mais.
A parte gostosa da vida é não saber o quê. Mas sim da possibilidade de aquilo ser algo a mais no futuro.
Eu não faço a menor ideia se meu cirurgião viu as impressoras 3D pela primeira vez e pensou “vou estudar essa bagaça e ver no que dá” ou se ele já sabia o que queria, só sei ele que tem duas impressoras em casa e comenta comigo como pode ser frustrante o processo de elaboração das peças.
Independente se foi no “bora ver” ou no “já sei o que quero”, esse camarada se expõe diariamente à máxima da Lei de Lavoisier. A projeção 3D do rosto agora imprime uma ferramenta que melhora a precisão cirúrgica.
Na Natureza, nada se cria, nada se perde, tudo se transforma
Quando comecei a estudar oratória e retórica eu não sabia que daria palestras e aulas em mais de 6 países e sei lá quantas cidades, só queria cumprir uma funçãozinha no trabalho, e veja no que deu! Aliás, foi a mesma coisa com o aprendizado de marketing, estratégia, negócios.
A gente mira no objetivo imediato e acaba colhendo um belo de um efeito borboleta.
Coisas incríveis acontecem quando você abre mão do objetivo binário por trás de uma ideia e fica aberto às ramificações daquilo, sem pré-julgamentos, assim como um músico em sessão de improviso descobre a combinação de notas que ele buscava há tempos sem saber.
Quanto mais velho eu fico, mais eu penso que um grande truque para não perder a capacidade de se surpreender com as coisas é olhar o mundo como uma criança olha. São menos encaixes certos e mais perspectivas!
Uma fotógrafa que se prende a apenas registrar o que aparece no próprio campo de visão tem os dias de carreira contados. É uma ação inerente à profissão explorar outros ângulos, direções e correr riscos, inclusive quebrar regras, assim como acontece no cinema e em tantas outras artes.
Não acredito que existam muitas regras para criar melhor, criar sempre ou criar sem parar, mas aposto que existe um caminho certeiro rumo ao marasmo: não se provocar.
Quer deixar seu trabalho muito mais divertido e criativo mesmo nos piores dias?
Adicione um “e se…” e veja a mágica acontecer!
Espero que você tenha gostado da edição de hoje assim como eu estou gostando de finalmente dormir respirando direito :)