Lady Gaga é maior que a Islândia

No meu tempo é que era melhor!

Um dos maiores sinais de velhice ou conservadorismo é soltar aquela máxima do “antigamente é que era melhor!”. Quando você escuta uma pessoa dizendo isso, pode ter certeza que ou já tá perto da aposentadoria, ou tá usando boné de apoio ao Trump enquanto vive nos arredores de algum interior do Brasil. 

Mas de vez em quando… Bem de vez em quando… 

Essa afirmação traz a realidade e de forma pouquíssimo enviesada, como, por exemplo, quando falamos de filmes de maior sucesso global! Abaixo você pode comparar a lista de 1984 contra a lista de 2024:

Foi começando bem

Aí piorou

Em 1984, praticamente todo filme do Top 20 era uma obra original. Já em 2024, quase todos são sequências ou continuações.

Ou seja, nem sempre é uma afirmação conservadora ou indicativa de reumatismo, também pode ser provocativa!

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Chega a ser irônico que estejamos na época com maior volume histórico de informações, dados, ferramentas de criação, tecnologias de ponta em todos os segmentos possíveis, mas temos que nos apoiar em velhas receitas que deram certo quando o assunto é entretenimento.

20, 30 anos atrás, programas de Tv usavam fórmulas batidas em conjunto com quadros criativos para se destacarem entre a concorrência. Já hoje, quando um creator médio não faz a mesma trend que outros 52 mil fazem, perde o bonde.

Todo mundo faz tudo igual, no cinema e no celular. E a culpa não é só deles, mas também nossa.

Será que estamos nos tornando covardes em relação a descobrir novas experiências? Muito se fala sobre comportamentos da nova geração, mas quantos desses comportamentos não foram forçados ou construídos pelas gerações anteriores? 

Ao mesmo tempo, ainda há esperança de exposição às novas sensações, tanto para artistas quanto para consumidores, como vimos nos últimos dias com a performance absurda conduzida por Lady Gaga para aproximadamente 2 MILHÕES DE PESSOAS. Deixa eu te contar uma coisa, a população da Islândia é de mais ou menos 400 mil habitantes. CABE 5X A POPULAÇÃO DA ISLÂNDIA NO SHOW DA LADY GAGA.

Quem expressou melhor que eu a importância de um evento assim foi o Rodrigo Simonsen:

Eu sou a favor da Lady Gaga.

Não de qualquer uma das suas ideias, para as quais não ligo, nem de suas polêmicas, para as quais tampouco consigo me importar, nem mesmo de sua música, que não vou dizer que gosto, por receio de ser acusado de coisas que não sou, mas gosto, não vamos aqui mentir em público, que é feio, estamos todos juntos e shallow now.

Sou a favor da Lady Gaga porque ela foi capaz de juntar milhões de pessoas para algo que não fosse rolar um feed quilométrico, gravar uma dança na varanda do apartamento achando que o vizinho não viu, maratonar um dorama até atingir a desidratação, escrever comentários passivo-agressivos em perfis de celebridades que já foram mais célebres, enfim, em suma, qualquer coisa que não fosse mediada por uma fria e indiferente tela.

Gaga nos lembrou que estar junto é terapêutico. É restaurador. É transformador. É até libertador, se pensarmos bem.

Quando você espera pelo que todos estão esperando, quando você se identifica com o que todos estão se identificando, quando você sente o que todos estão sentindo, rapidamente percebe que não somos tão distantes assim. É uma trégua das diferenças.

Fingimos ser monstros, para que ninguém perceba o quanto somos frágeis, nos agarramos à ideia de que fomos feitos assim, mesmo quando ninguém nos aceita do jeito que somos, nos perdemos em personagens, disfarces, figurinos, mas no fundo só queremos ser vistos sem precisarmos brilhar tanto.

Restaurado nosso senso de pertencimento, chega a hora de lembrarmos que grandes experiências geram memórias duradouras, mobilizam emoções, e reativam a existência de um corpo real, palpável, que canta, grita, sua, pula, sente o chão tremer.

A coletividade não anula a individualidade — ela a reforça. É na massa que percebemos que não estamos sós. Que aquilo que sentimos tem nome, tem rosto, tem coro.

Por isso que sou a favor da Lady Gaga. Porque presença é um verbo. Comunitário. Coletivo. Compartilhado. Ou, se preferir, juntos e shallow now.”

Me dá pavor a ideia de estar no meio de tanta gente, mas viver a arte “como antigamente” é mágico. Não é um festival com mil bandas e inúmeros estímulos exagerados. É um show desenhado para entregar o máximo que uma pessoa fora da curva pode entregar.

Ainda que me dê pavor, quase invejo quem estava por lá, porque a música tem efeitos enormes em nosso cérebro. Mas a música aproveitada com a sua “tribo” também te deixa mais vivo.

Essa visão do Simonsen, com a qual concordo, não foi out of the armpit (tirada do suvaco). Tenho lido um livro chamado Your Brain on Art: How the Arts Transforms Us. É um conjunto de análises da neurociência explicando os efeitos práticos e profundos que a exposição aos diferentes tipos de arte causa em nós. Eis alguns dos impactos de viver e conviver com arte:

Arte + Neuroplasticidade

Ao fazer ou apreciar arte, fortalecemos conexões sinápticas e esculpimos novos circuitos cerebrais. É como se a arte ajudasse a pavimentar novas estradas no cérebro;

Construção de Comunidade

Pessoas que consomem os mesmos formatos de arte tendem a criar laços e também formam grupos de afinidade. Isso vai diretamente de encontro a outra questão abordada no livro, que é a prescrição de experiências artísticas por parte de médicos para reduzir impactos da ansiedade, depressão e solidão;

Cérebro Maromba

Ambientes ricos em estímulos sensoriais aumentam o desenvolvimento cerebral! Estudos mostram que ambientes enriquecidos aumentam em 6% a espessura do córtex cerebral, o que quer dizer que você fica mais CEREBRUDO.


Faz 20 anos que a Lady Gaga explodiu, o que não é nem novidade, nem coisa velha, mas ela transita muito bem entre o jeito velho e o novo de fazer as coisas.

Quem sabe com tantos recursos de expressão que temos hoje, a gente possa voltar a experimentar como antigamente, mas diferente.

Porque quanto mais experimentamos, quanto mais inovamos, melhores ficamos.

Já ouviu meu podcast que aborda criatividade e comunicação? O Além das Boas Ideias é um programa quinzenal com episódios curtos e dicas práticas para transformar suas ideias em ação:

Nos vemos na próxima semana!