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Como assassinar sua criatividade?
Tadinha, morreu tão jovem
A manhã começa e você pergunta à Alexa qual a previsão do tempo, talvez já começa a rolar o feed do Instagram, coisa de 5 minutinhos. Aí na hora do café, você pode escolher entre coar na hora ou apertar um botão da Nespresso.
Nem é uma decisão difícil. Entre pegar o suporte de filtro, o filtro, esquentar água, abrir o pacote de café que pode estar em pó ou ainda precisa ser moído, filtrar tudo… Ou inserir uma cápsula e apertar o símbolo da xícara, é claro que você decide pela cápsula.
O ritual de preparar o próprio café é menos sobre o café e mais sobre os diferentes estímulos sensoriais e motores que tornam a coisa mais prazerosa. Porém, é complicado disputar com a Nespresso que te entrega algo ok em menos de um minuto.
Mais de 1.000 decisões são tomadas só na primeira hora do seu dia, e mais de 35.000 no dia completo! Eis o problema: nosso cérebro se habitua a automatizar uma cacetada dessas decisões para poupar energia, e essa é uma das razões pelas quais você não lembra se trancou a porta ou às vezes percebe que dirigiu até o trabalho quase que sem ver nada no caminho.
Mas por que esse hábito do cérebro em encurtar e automatizar caminhos é um problema?
Porque quanto mais você repete um caminho, mais previsível ele se torna e menos descobertas ocorrem. Isso vale para caminhos, tipos de filmes, livros, exercícios, comidas e uma caralhada de coisas que você e eu repetimos por puro conforto.
Por que eu me arriscaria a provar um prato novo no restaurante de sempre quando sei que o strogonoff é bom e não decepciona? E se o prato novo é melhor que o antigo e isso me fizer notar que desperdicei tantas oportunidades? Melhor ficar no de sempre.
A questão é que com menos descobertas, todo seu repertório fica limitado e atrasado!
Uma pessoa que só lê livros de negócios ou biografias de empresários de sucesso não descobre novos vocabulários ou maneiras de contar uma história. Ela se torna adepta das metáforas mais transacionais e fica distante da suspensão de descrença.
A suspensão de descrença é o que te faz ficar maravilhado com elementos cruciais das obras de ficção que não aconteceriam na vida real, como encontrar o amor da sua vida ao esbarrar com a pessoa numa livraria, ou saber que há um herói vestido de morcego na cidade. Ela é crucial para que grandes obras façam alegoria ao cotidiano real de forma fantástica, para que você entenda a moral de uma história sem precisar de informações explícitas.
Ao mesmo tempo, se eu leio apenas obras fictícias e fantasiosas, não me apego a novos ritmos, formatos e narrativas.
Realidade crua: quem só lê biografia de CEO tem o vocabulário emocional de uma planilha do Excel.
Repetir as mesmas coisas de sempre e ainda caçar atalhos para que elas fiquem cada vez mais automáticas é uma receita infalível para destruir seu potencial criativo.
Alguns anos atrás tive a oportunidade de conhecer a Escócia e descobri um fato curioso! Grande parte dos maiores sucessos literários dos últimos cem anos foram escritos ali, muitas vezes por autores que não viviam na Escócia. Mas por quê?
Esses homens e mulheres buscavam novos estímulos para sua escrita, buscavam ambientes, pessoas e processos diferentes.
A criatividade não é uma benção divina, ela é como um músculo em processo de hipertrofia. Ela precisa de repetição, claro, mas também de descanso e novos estímulos.
Nem sempre dá pra caçar novos estímulos viajando até um local paradisíaco na Europa, então surge outro caminho que é o contraste com as ações automáticas do primeiro parágrafo: atividades manuais.
Atividades manuais como costurar, escrever, pintar, montar um móvel, fazer artesanato ou até sei lá, montar lego, liberam dopamina (aquele neurotransmissor do prazer), melhoram o humor, a disposição e ainda trazem a sensação de descoberta ou aprendizado de uma nova área.
Aliás, olha minha última atividade manual longa aí:
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Antes de dar certo, desperdicei dois metros de cetim, boas horas e muita cola de silicone. Passei então a uma abordagem diferente para construir o forro. Ataquei o problema por fases, criando diversas camadas e reforços, até dar certo.
Pensa na alegria de saber que aquelas 8 ou 10 horas totais dedicadas a uma ideia boba resultaram em ter um cantinho da minha casa que é decorado por algo que saiu da minha mente! Não é uma peça cara, nem de renome, só que ela tem uma história de ideação, tentativa, erro e acerto.
O cérebro lidou com mais frustrações do que recompensas, mas a recompensa foi espetacular.
Uma das principais maneiras de colocar nosso músculo criativo para ficar mais forte é através dos novos estímulos e experiências!
Quanto mais você e eu ficamos presos à rota mais fácil de fazer algo, mais estamos próximos de assassinar a tadinha da criatividade e de também deixar o cérebro em modo inerte, só rolando um eterno feed.
Já citei aqui algumas vezes o livro Hare Brain, Tortoise Mind. Nele, Guy Claxton aborda os dois modos de funcionamento da mente, um é o “cérebro de lebre”, sempre alerta, resolvendo as coisas de forma ágil, previsível e segura.
O outro é a “mente de tartaruga”. Não quer dizer que ela é lenta, mas ela é ativada quando você descansa a parte ativa e entra em “suspensão”. Isso vai acontecer principalmente em momentos de ócio ou de esforço motor repetitivo (atividade manual).
Quando a sua “tortoise mind” entra em jogo, acontece a ironia de enxergar a solução para questões que nem eram o foco por agora! Isso porque a mente não está fechada em um objetivo estressante e desgastante, ela está em descanso, quase que refrigerando, organizando as ideias assim como o sono REM.
Um hobby, um novo caminho, uma mudança do automático e fácil para o manual e empírico pode não só melhorar sua criatividade, como colocar mais alegria no seu dia :)
Quanto tempo faz que você não se desafia a uma nova habilidade ou hobby?
Quando foi a última vez que você fez algo com mais incertezas que segurança?
Qual foi a última coisa legal que você fez por si próprio sem a menor recompensa tangível, como cuidar de uma planta ou fazer um artesanato horrível?
Dependendo da resposta, você está mais perto que nunca de assassinar sua criatividade.