Não repita o bobó de camarão

Ou repita, mas não espere o mesmo bobó

Dia desses fiz uma viagem rápida em família até Aparecida do Norte e, pra minha surpresa, não peguei fogo ao entrar no Santuário. A segunda surpresa veio na hora do almoço, já voltando pra casa. Paramos numa daquelas churrascarias de estrada, buffet liberado, e gente de todo tipo: da moça de Mercedes ao tiozinho no Palio caindo aos pedaços.

Minha mãe elogiou tanto o bobó de camarão que disse até que dava vontade de repetir. Perguntamos por que ela não pegava mais um pouco e ela soltou: “a segunda vez que a gente come um prato nunca é como a primeira”.

A miserávi é uma gênia!

Pra você entender, minha mãe é uma mulher simples, criada na roça do interior da Bahia. Nunca leu Heráclito pra falar que ninguém entra duas vezes no mesmo rio, nem Sêneca pra dizer que o maior obstáculo pra vida é a expectativa, que depende do amanhã e desperdiça o agora.

Ela só manja dos paranauê. Sabe que experiência boa é singular e se contenta em não repetir o bobó, deixando espaço pra experimentar outra coisa.

Gosto de olhar pro alto…

…e achar uns ângulos

Outro dia, um episódio que gravamos na firma bateu mais de 130 mil visualizações, bem fora do normal pra um programa de marca, segmentado e sem apelo agressivo. Dá pra contar nos dedos quantos episódios nossos já atingiram 6 dígitos em views, entre mais de 190 gravados.

Esse episódio foi nosso bobó de camarão.

Ele não foi melhor nem pior que os outros quase 200 episódios, mas foi bom, bem feito e deu vontade de repetir. Só que...

Criar é uma desgraça.

Não parece, mas esses casos são raros! Seus influencers preferidos não viralizam o tempo todo, mas perseguem uma certa consistência nos bons conteúdos. De vez em quando, aparece algo que engaja, anima e dá gás pra continuar. Já vi alguma estatística mostrando que menos de 20 ou 25% dos conteúdos realmente bombam.

Mesmo nossos artistas preferidos têm esse problema da coisa mediana e da coisa fora da curva. Para cada grande sucesso de uma banda, dezenas de musicas conhecidas apenas pela base mais aficcionada.

É difícil viver esperando que a próxima tentativa seja tão boa quanto a anterior. Alguma coisa sempre muda, pode ser melhor, pode ser pior, mas dificilmente a sensação vai ser igual. Vale pra conteúdo online, viagens, encontros com a/o crush e, claro, pro bobó de camarão.

Em 2015, publiquei um texto contando porque abandonei a atividade que amava pra focar na que eu era bom (eu curtia a ideia de ser fotógrafo, mas era medíocre nisso e as contas não esperavam). Por algum motivo, o texto bateu mais de 500 mil pessoas, saiu em revista, foi citado por todo canto e nunca mais outro texto meu chegou perto disso. Em compensação, na pandemia vendi uma foto que fiz de teste nove anos antes e ela virou capa de livro em Portugal.

Sorte, timing, milagre, vai saber.

A minha é uma vida de cão, e eu nunca paro de andar, eu subo e desço, por toda parte. Saio em explorações por todos os caminhos que encontro, sempre à procura de algo novo.

Claude Monet

Não dá pra ter certeza do sucesso da próxima ideia. O que dá pra fazer é colocar seu trabalho no mundo sabendo que está bom, divulgar como puder e repetir o processo.

Depois que você coloca uma ideia no ar e ela funciona, aproveite! Curta cada resultado, peque esse embalo pra testar outras coisas, só não fique preso na expectativa de que as próximas vão ser iguais.

Se não funcionar, a próxima também pode não funcionar. Mas aí você tenta entender como fazer pra próxima ser "menos ruim”.

Nem gosto de camarão, mas essa pequena sabedoria da minha mãe me lembra que é bom desapegar das expectativas.

Tudo oscila, inclusive você.

Já ouviu meu podcast que aborda criatividade e comunicação? O Além das Boas Ideias é um programa quinzenal com episódios curtos e dicas práticas para transformar suas ideias em ação:

Nos vemos na próxima semana!